*Por Lidia Amendola
Este texto é uma narrativa baseada na minha experiência (de
uma demi hétero-romântica [olha outro termo aí!] o que não significa que todos
os demis sejam assim). O espectro da área cinza é gigantesco e minha intenção
aqui não é definir a demissexualidade, mas sim contar como ela é pra mim, ou
seja, falar de uma nuance. O assunto é bem complexo e tem muitos textos ótimos
e completos que, esses sim, trazem uma explicação bem detalhada sobre o
assunto. Este texto é uma introdução "lúdica" ao assunto.
Dias desses uma amiga veio falar comigo no WhatsApp:
— E aí? Tudo bem? Como tá na França?
— Oi, tudo bem e aí? Aqui tá tudo certo, muito frio. (:
— Que bom! Mas, e os gatinhos?
— Nem pensei nisso. Tô trabalhando bastante, bem feliz com o
estágio.
— Nossa, mas não rolou nem uma paquerinha?
— Hum... não.
— Nossa, como você é calma.
Então, não é calma. Eu sou demissexual, mas por mais que eu
tente explicar, ninguém entende. Mais do que não entender, tem gente que não
respeita.
Esses termos são relativamente novos e ninguém é obrigado a
saber, isso não é ignorância. Ignorância é não querer saber. É achar ridículo,
achar que é bobagem, que tem cura, que dá pra mudar. Não. Nasci assim, tô muito
bem com isso e não quero mudar.
Mas, afinal, o que é ser demissexual? Tia Lidia te explica.
Sendo (bem) breve, nesse mundão em que vivemos, temos 3
tipos de pessoas:
1. As alossexuais: aquelas que sentem atração sexual por
outras pessoas. Elas olham uma pessoa > acham essa pessoa atraente >
ficariam com essa pessoa.
2. As demissexuais: aquelas que só sentem atração sexual por
outras pessoas caso tenham algum tipo de ligação emocional / psicológica /
intelectual.
Cenário a) Ela olha uma pessoa > não sente nada. Pode
ficar com essa pessoa? Pode, mas não sentirá nada. Não será prazeroso pra ela.
Algumas pessoas se esforçam e ficam mesmo assim. Mas a experiência pode ser tanto
indiferente como incômoda. Sempre que me esforcei me senti um pedaço de carne
no açougue.
Cenário b) Ela olha uma pessoa > ela conhece essa pessoa
> elas conversam > elas criam uma ligação (afeto) > essa pessoa passa
a ser atraente para o demissexual.
3. As assexuais: aquelas que não sentem atração sexual at
all! Elas podem se apaixonar, mas jamais sentirão atração por alguém.
O "problema" é que vivemos em um mundo alossexual,
que espera que você também seja.
— Mas, espera, nem se o cara for muito, mas muito gato você
sente atração? Tipo, se o cara mais gato do mundo estivesse aqui, agora, você
não ficaria com ele?
Então, não se trata da beleza da pessoa. Abrindo um
parêntese aqui: nós achamos pessoas bonitas, achamos certos tipos de corpos
bonitos e tudo mais. Mas tipo, só. É bonito, mas se eu simplesmente não sei
quem é o cidadão, eu não sinto nada. É bonito, ponto.
Pode acontecer de eu achar que o cara é o cara da minha
vida. Vai rolar assim de cara? Nop. Lindo, inteligente, gente boa. Mas, calma,
essa boquinha aí também foi feita pra falar, então, fala!
Como eu ia dizendo, não é a beleza que determina. Você pode
colocar o Sebastian Stan pelado na minha frente.
Se você não conhece, este é o Seb:
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Sebastian Stan, ator romeno-americano. |
-Mas, então, nem ele?
De cara, não. Pode ser, digamos, assim: Oi, Sebastian, aceita um vinho? Não tenho cerveja, é que
eu não curto muito, sabe? Então, tá em Paris de passagem? Cê acredita em
astrologia? Qual foi o sonho mais doido que você já teve? Qual seu sabor de
sorvete favorito?
E o Sebastian, se quiser, pode entrar no jogo. Jogar conversa fora. Me
falar da vida dele. Me contar daquela vizinha sem noção. Da maior merda que ele
fez na vida. Dar risada. E então ele pode se tornar um cara atraente, mas por
aquilo que ele é.
Sabe, eu nunca fiquei com aquele cara.
— Que cara?
Aquele do show do Strokes. Não sei o nome dele. Ele tava
com uma blusa do Joy Division. Gatinho...
Mas, não, não aconteceu. Mas, sabe com quem aconteceu? Com aquele cara que sei o nome e sobrenome. Aquele cara que
eu sei que sua cor favorita é verde, sua fruta favorita é melancia, que ele
caiu e quebrou os dois braços ao mesmo tempo quando tinha 7 anos, que ele foi
um filho planejado, mas sempre acharam que ele era uma menina. Aquele que sei
que mora na rua da faculdade, que gosta de Beatles e seu álbum favorito é Sgt.
Pepper's, mas que ele só começou a gostar depois de velho. Aquele que conhece
Wallflowers, porque a gente falou sobre isso em uma dessas caminhadas sem
destino pela cidade. Ou será que foi naquela vez que fomos tomar uma cerveja?
Aah, já sei! Foi naquele dia que fomos no pub modinha do centro. Falando nisso,
foi bem engraçado, tava rolando a maior DR na mesa do lado.
Entende?
Ele me atrai. E não me atrai por saber se ele estará aqui
amanhã ou não. Se ficamos uma noite ou se ficaremos uma vida inteira. Me atrai
saber que enquanto esteve aqui, estava comigo não pelo fato de eu ser mulher,
mas pelo fato de eu ser eu. Lidia. 25 anos. Nascida e crescida em Santo André.
Cor favorita: roxo. Gosta de cozinhar. Adora animais, mas tem nojo de pombos.
Fala palavrão pra caralho. Se deu muito mal quando tentou andar de patins e
bicicleta ao mesmo tempo. Adora luzes de Natal. Gosta do céu. Queria ser pilota
de Fórmula 1, mas desistiu porque não tinha dinheiro. Descobriu depois de velha
que o anarriê da festa junina era uma palavra em francês. Odeia conversas de
elevador e fazer média com as pessoas. Pediu demissão do chefe. Trabalha 24h
por dia se deixar. Que, não parece, mas além de demissexual é tímida. E que,
mesmo te achando bonito e gente boa, não vai ficar com você por ficar. Que pode
demorar um mês pra criar um laço contigo, ou apenas algumas horas.
É difícil ser assim?
É sim. Ainda mais nessa sociedade moderna que parece que
disputa quem se interessa menos. Ainda mais quando você se interessa por
pessoas extremamente alossexuais. Você não pode chegar falando: "oi, sou
demi, não encosta muito em mim não, tudo bem?". Você gostaria de
corresponder, mas simplesmente não consegue porque não faz sentido pra você.
Então elas pensam que você não está a fim e tchau oportunidade de conhecer
alguém legal.
Eu sempre ficava com uma sensação meio bosta de "olha
eu estragando tudo de novo". Mas com o tempo você se aceita. Isso é o que
você é, se o outro não entende talvez ele não queira entender. Talvez ele
estivesse ali pela mulher e não pela Lidia (acontece muito, quase sempre...
acho que sempre).
E também porque a gente SEMPRE quebra a cara. Demis precisam
do "apego" pra se envolver, então não importa a intensidade da
ligação, pra se quebrar a cara basta que ela exista e, pra nós, ela sempre
existe.
Então, sabe, a gente já é obrigado a lidar com tantas
coisas. Tantos sentimentos e pensamentos conflituosos. Poupe-nos de seus
"mas...". Entenda que neste mundo existem pessoas diferentes de você,
pessoas que acham o colega do escritório mais atraente do que o Stephen Amell e
isso não faz delas melhores ou piores que ninguém, tá?♦
Um beijo pra vocês.
❤
*Lidia Amendola é designer-publicitária paulista. Mestranda em mídias digitais na França.
|| Via Huffpost Brasil
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